Camisa, cinto, sapatos, meias, chaveiro, carteira e almoço especial. Lembro-me bem. Mesmo depois que crescemos, retornavamos com casacos, pijamas, loção de barba e ... almoço especial - nossa mãe o preparava, ainda que o convívio deles estivesse um inferno. Quando criança havia, também, cachorro, flores, bola, bicicleta... Embrulhados em papel especial, pijamas, cinto, camisa, sapatos, meias, luvas, cachecol... e almoço especial. Era sagrado. Mais tarde, depois de eu já ser mãe, soube um dia que ele havia saído de casa para não mais retornar: construíra um outro lar. Eu retornava, mas era um vazio tão grande dentro da minha mãe... eu levava camisa, cachecol envolvidos por um papel especial. Mas não havia almoço especial, não o de minha mãe. Ficava tudo um faz de conta - não o pai, mas o estar naquele outro lugar. Faltava uma metade, haviam subtraído uma metade - e mais que isso, subtraíram o que preenchera o espaço que agora se tornara um vazio dentro de minha mãe. E naquele outro novo lar sobrava a metade que chegava embutida em mim. Nada se ajustava. Em mim dois vazios: o antes e o depois. E ele sem compreender que não há substituições - pessoas são únicas! Mas insistia e insistia... Hoje nada mais existe. Não há pijamas, camisas, luvas, chinelos e nem o vazio daquele incômodo do faz de conta - a mãe partiu primeiro e ele, o pai, um bom tempo depois. E a gente que cresceu, ficou solto feito folha de árvore em redemoínho na cantoneira de esquina, rodopiando rasteiro sobre o colorido papel de presentes que nos embrulha a memória. No mês de agosto é sempre assim, o vento sopra forte ao sul da existência.
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- Graça Carpes -
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