domingo, 13 de agosto de 2017

ao sul da existência


Camisa, cinto, sapatos, meias, chaveiro, carteira e almoço especial. Lembro-me bem. Mesmo depois que crescemos, retornavamos   com casacos, pijamas, loção de barba e ... almoço especial - nossa mãe o preparava, ainda que o convívio deles estivesse um inferno. Quando criança havia, também, cachorro, flores, bola, bicicleta... Embrulhados em papel especial, pijamas, cinto, camisa, sapatos, meias, luvas, cachecol... e almoço especial. Era sagrado. Mais tarde, depois de eu já ser mãe, soube um dia que ele havia saído  de casa para não mais retornar: construíra um outro lar. Eu retornava, mas era um vazio tão grande dentro da minha mãe... eu levava camisa, cachecol envolvidos por um papel especial. Mas não havia almoço especial, não o de minha mãe. Ficava tudo um faz de conta - não o pai, mas o estar  naquele outro lugar. Faltava uma metade, haviam subtraído uma metade - e mais que isso, subtraíram o  que preenchera o espaço que agora se tornara um vazio dentro de minha mãe. E naquele outro novo lar  sobrava a metade que chegava embutida  em mim. Nada se ajustava. Em mim dois vazios: o antes e o depois. E ele sem compreender  que não há substituições -  pessoas são únicas! Mas insistia e insistia...  Hoje nada mais existe. Não há pijamas,  camisas, luvas, chinelos e nem o vazio daquele incômodo do faz de conta - a mãe partiu primeiro e ele, o pai, um bom tempo depois. E a gente que cresceu, ficou solto feito folha de árvore em  redemoínho na cantoneira de esquina, rodopiando rasteiro sobre o colorido papel de presentes que nos embrulha a memória. No mês  de agosto é sempre assim,  o vento sopra forte ao sul da existência.

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            - Graça Carpes - 

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